domingo, agosto 20, 2006

Fragmentos dos fragmentos



“...encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um: você... a especialidade do meu desejo. [...] foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras) para que eu encontrasse você, que entre mil, convém ao meu desejo. [...] por que desejo você? por que o desejo por tanto tempo...? [...] espero uma chegada, uma volta, um sinal... pode ser fútil ou imensamente patético. [...] uma mulher espera seu amante, de noite, na floresta; quanto a mim, só espero um telefonema, mas é a mesma angústia. Tudo é solene, não tenho noção das proporções. [...] do sabor de uma ou outra contingência, me deixo levar pelo medo de um perigo, de uma mágoa, de um abandono, de uma reviravolta... [...] na tua ausência, sou, tristemente, uma imagem descolada, que seca, amarelece, encarquilha... [...] uma mutilada que continua a sentir dor na perna amputada... [...] pouco a pouco sufoco, meu ar se rarefaz... [...] ciúmes, angústias, posses, discursos, apetites, signos, o desejo amoroso queima por todo lado. [...] e nada mais doloroso do que uma voz amada e cansada: voz extenuada, rarefeita, exangue, poder-se-ia dizer, voz do fim do mundo, que vai ser tragada muito longe pelas águas frias: ela está no ponto de desaparecer, como o ser amado está no ponto de morrer: o cansaço é o próprio infinito: o que não acaba de acabar. Essa voz breve, curta, quase sem graça pela raridade, esse quase nada da voz amada e distante torna-se em mim uma rolha monstruosa, como se um cirurgião me enfiasse um tampão bem grosso de algodão na cabeça. [...] pois desde que te vejo, por um instante, não me é mais possível articular uma palavra: mas minha língua se quebra e um fogo sutil desliza de repente sob a minha pele: meus olhos não têm olhar, meus ouvidos zumbem, o suor escorre pelo meu corpo, um arrepio toma conta de mim; fico mais verde do que o capim, e por pouco me sinto morrer. [...] quero constantemente arrancar de você a fórmula do seu sentimento, e de minha parte digo constantemente que o amo: nada fica para ser sugerido, adivinhado: para que se saiba uma coisa é preciso que ela seja dita; mas também, desde que ela é dita, ela é provisoriamente verdadeira...”

Nota explicativa 

2 comentários:

Anônimo disse...

"Fragmentos II..."

"Milhões de corpos a passar, todos eles andam... milhares me contemplam por um segundo... alguns podem até me cobiçar... Mas seus olhos me contemplam com fome, sede, e toda uma certa falta de ternura.
Engrassado é o tempo, labirintos e desertos, nunca sabemos para onde viajar... Mas e o sentimento que não está ausente? Nunca saberemos distuinguir, sentimentos são tão efemeros...impossiveis de quantificar.
Não se deixe abandonar, acostumados estamos a nos ferir, mas que sera de nós se nunca mais tentarmos? Engrassado é esse ardor, mas deixe queimar e se entregue ao desejo; se roma queimou, quem há de nos recriminar? Esqueça todas as dores... Infermos a se arrastar, prantos e sussurrar, dessas coisas não precisamos, deixemo-as todas pelos cantos... sem nunca nos importar.
Agora apenas se abandone comigo, esqueça as distinções... verdades... nada há de importar... conceitos vão ser perder, palavras não iremos precisar..."

Marília Côrtes disse...

Uau... de onde vem essa beleza? Obrigada.